ATENÇÃO! Por ser sobre conteúdo de horror, esse texto pode conter imagens desconfortáveis. Prossiga apenas se não tiver problemas quanto a isso, ok? 😉
O autor japonês Junji Ito já se interessava pelo universo do horror desde muito cedo e seu trabalho possui diversas influências de expoentes do ramo do horror e da ficção científica, sendo a de Kazuo Umezu (um dos mais famosos autores japoneses de terror) a principal delas. O mangá Uzumaki foi publicado originalmente entre 1998 e 1999 e o lançamento dos três volumes no Brasil ficou a cargo da Conrad, em 2006.
“Essa é Kurôzu-cho onde eu cresci. Gostaria de compartilhar com você os eventos estranhos que se passaram aqui.”
É com essa primeira fala da querida protagonista Kirie Goshima que a história do mangá Uzumaki é apresentada a nós. Através do olhar de Kirie acompanhamos a escalada de horror em uma cidade que é amaldiçoada não por um ser vivo, ou um objeto, mas sim um padrão: a Espiral.
No primeiro volume, conhecemos a simpática família de Kirie, formada por sua mãe amorosa, seu pai (um habilidoso ceramista) e seu irmão caçula. Outra família importante é a de Shuichi Saito, namorado de Kirie. Isso, pois é justamente a partir das tragédias desencadeadas pela implacável e repentina obsessão do pai de Shuichi com espirais, que os outros casos inexplicáveis vão acontecendo na cidade. Temas como vaidade, paranoia e rivalidade permeiam pequenas histórias bizarras e aparentemente desconexas.
Se, ao final do volume anterior, podemos ficar com a impressão de certa brandura quanto ao caráter dos acontecimentos sobrenaturais, Ito nos mostra, já no começo do segundo volume, que somos inocentes e não sabemos de nada. Nessa fase da história, o tom grave dos acontecimentos predomina e o autor carrega no horror psicológico, causado pela dominação das mentes, pela força da Espiral e pela representação gráfica desta em toda parte. Psicose seguida de suicídio, homicídios cruéis e pessoas misteriosamente transformadas em outros seres estão entre as atrocidades mostradas com riqueza de detalhes, em quadros muito bem distribuídos e sombrios, com uma arte meticulosa, também assinada por Ito. Tais passagens são tão impressionantes, que a distribuição de capítulos deixa uma sensação de quebra de ritmo. Mesmo assim, nada diminui o caráter perturbador de capítulos como Coluna de Pernilongos e Cordão Umbilical.
Aos poucos percebemos que há algo muito maior – em magnitude e em entendimento – do que se imagina por trás de todos os casos, que atrai e hipnotiza os moradores da cidade sem que estes percebam, envolvendo-os cada vez mais em um cenário de ruína. O anoitecer na cidade com o céu semelhante ao do quadro Noite Estrelada, de Van Gogh, poderia ser algo belo, não fossem suas espirais o prenúncio de um futuro terrível, com furacões surgindo ao horizonte.
A paulatina construção do horror dos dois volumes anteriores atinge seu clímax no excepcional terceiro volume de Uzumaki. Percebemos a convergência dos elementos apresentados anteriormente em um contexto irremediável, no qual a fuga se torna a única opção. Acontece que, a essa altura, a maldição da Espiral já tomou conta não só das pessoas, mas também de todo espaço ao redor delas e, para completar, do tempo. A realidade é posta em questão e tudo passa a ser distorcido, o que inclui a deformação da figura humana física e moralmente. O sentimento de clausura e a degradação desconcertante fazem com que a história cresça cada vez mais, em meio a um clima apocalíptico, representado de maneira primorosa nos desenhos de Junji Ito.
A maldição atua distorcendo o caráter das pessoas, ou é mais um facilitador para que o lado perverso do ser humano seja exposto? Apesar de a história possuir protagonistas – sendo Kirie e Shuichi os principais –, estes não são desenvolvidos profundamente, pois o foco maior está no impacto dos acontecimentos sobre o coletivo (mais precisamente, a decaída humana), o que torna as possíveis reflexões sociais ainda mais interessantes. Embora vivenciemos tudo a partir do ponto de vista dos protagonistas, estes estão a serviço de um conceito. Só que nada disso impede que suas personalidades tenham traços marcantes e que nos afeiçoemos a eles. Principalmente nesse último volume, a empatia e a humanidade de Kirie são cativantes, e até mesmo o perturbado Shuichi (que vira um eremita meio chato) impressiona por sua lealdade e cuidado.
O final do mangá não soluciona todos nossos questionamentos, deixando espaço para diferentes interpretações, em constante movimento. Assim como as espirais em geral, Uzumaki é um mangá de horror fantástico marcado por vertigem, mistério e infinidade, tanto em sua essência quanto nas lembranças deixadas no imaginário do leitor.
Quer ter essa obra? Só clicar nos links para comprar (versões em inglês)!
bellecris
Latest posts by bellecris (see all)
- 45 Anos (2015) - janeiro 25, 2016
- Lista #15 – Samba Meu: Nem Ruim da Cabeça, Nem Doente do Pé - dezembro 8, 2015
- PontoCast #24 – Nos Tempos de Biblioteca - dezembro 7, 2015